No dia 5 de Setembro de 2024, entrou em vigor a Lei n.º 8/2024 de 7 de Junho, que estabelece o Regime Jurídico da Tramitação Electrónica de Processos Jurisdicionais, publicada no Boletim da República, no dia 7 de Junho de 2024 (adiante designada por “Lei n.º 8/2024” ou “lei”).
A referida lei marca um passo decisivo na modernização do sistema judicial de Moçambique, ao estabelecer os princípios e as normas para a tramitação electrónica de processos jurisdicionais, com o intuito de agilizar o procedimento judicial, aumentar a acessibilidade à justiça, garantir a segurança e assegurar a protecção dos direitos fundamentais dos cidadãos. Este artigo visa apresentar os principais pontos desta lei e, de forma breve, as suas implicações para o sector da justiça em Moçambique.
Disposições Gerais
Objectivo e Âmbito da Lei
O principal objectivo da Lei n.º 8/2024 é estabelecer um regime jurídico para a tramitação electrónica de processos jurisdicionais. Esta legislação abrange todos os processos tramitados nos tribunais comuns, especiais ou especializados, incluindo o Conselho Constitucional, o Ministério Público, e os órgãos de investigação e instrução (Artigos 1 e 2).
Os objectivos específicos da lei incluem a facilitação do acesso dos cidadãos aos serviços de justiça, a aceleração da tramitação processual, a redução dos custos, a melhoria da gestão processual, a interoperabilidade entre sistemas, bem como a garantia da disponibilidade, integridade, confidencialidade, transparência e autenticidade da informação (Artigo 3).
Princípios Fundamentais
A tramitação electrónica de processos orienta-se por princípios tais como a legalidade, igualdade e não discriminação, oralidade, instrumentalidade processual, confidencialidade, economicidade, publicidade, transparência, autenticidade e integridade (Artigos 4 a 14). Cada princípio é encapsulado por uma definição que orienta a aplicação prática, enfatizando a conformidade legal, a igualdade no tratamento das partes, a oralidade dos procedimentos, a confidencialidade dos dados, a eficácia na administração dos recursos e a integridade e autenticidade das peças processuais.
Procedimentos Processuais
A lei detalha a prática dos actos processuais por via electrónica, que devem ter o mesmo valor e efeitos jurídicos que os actos em papel (Artigos 15 a 24). Prevê-se que os actos processuais electrónicos possam ser realizados em qualquer dia dentro do prazo legal, descartando limitações de horário dos serviços judiciários. Além disso, a lei estabelece normas claras para o início da tramitação, o formato dos ficheiros, a distribuição dos processos, e as citações e notificações electrónicas.
Sessões e Audiências Virtuais
Um dos aspectos inovadores desta lei é a possibilidade de realizar sessões, audiências, audições e conferências por videoconferência (Artigos 25 a 32). Este recurso visa tornar o sistema mais acessível e dinâmico, respondendo às necessidades contemporâneas de uma sociedade cada vez mais digital. As sessões virtuais ou semi-presenciais terão a mesma validade legal que as sessões presenciais, desde que garantidas as condições técnicas necessárias.
Sistema Informático e Gestão
A eficiência da tramitação electrónica depende de um sistema informático eficiente, designado por Sistema de Tramitação Electrónica de Processos Jurisdicionais (STEPJ) (Artigos 33 a 37). Este sistema deve assegurar a segurança, integridade, autenticidade e confidencialidade da informação processual. A lei também estabelece punições severas para o uso indevido dos sistemas e a inserção de informações falsas, elevando a segurança cibernética no sector da justiça.
Criação do CGTSJ
Para gerir a implementação e operação do sistema de tramitação electrónica, a lei cria o Centro de Gestão de Tecnologias do Sector da Justiça (CGTSJ), um órgão com autonomia administrativa e técnica (Artigos 43 a 45). O CGTSJ será responsável por garantir a interoperabilidade dos sistemas, realizar estudos e implementar medidas de segurança, avaliando continuamente os planos de informatização do sector.
Disposições Transitórias e Finais
A Lei n.º 8/2024 estabelece disposições transitórias e finais, fixando um período de 90 dias após a sua publicação para entrada em vigor. Durante este período, o governo e as instituições do sector da justiça deverão criar as condições materiais, financeiras e regulamentares necessárias para a implementação efectiva da tramitação electrónica dos processos judiciais (Artigos 46 a 50). No momento da elaboração do presente artigo desconhece-se de alguma acção concreta de implementação do sistema, esperando-se que brevemente haja acções.
Conclusão
A Lei n.º 8/2024 representa uma transformação significativa no sector da justiça em Moçambique, abraçando a era digital e promovendo uma justiça mais célere, acessível e transparente. A criação de um sistema de tramitação electrónica de processos jurisdicionais promete não só modernizar os procedimentos judiciais, mas também garantir uma maior protecção dos direitos fundamentais dos cidadãos, adaptando-se às crescentes demandas das tecnologias de informação e comunicação. Esta reforma é um passo crucial em direcção a uma administração da justiça mais eficiente e eficaz, reflectindo o compromisso de Moçambique com a inovação e a melhoria contínua dos serviços públicos.
Entretanto, a implementação do sistema não deve implicar a exclusão dos que não o conheçam, sob pena de violação do direito constitucional de acesso à justiça.
A DMPBA continuará a monitorar as acções com vista a materialização da Lei n.º 8/2024.
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